segunda-feira, 27 de agosto de 2012

Noventa dias no Face


Noventa dias na Internet


Admiro e morro de inveja de pessoas que se aventuraram pelo mundo, não necessariamente em busca de tesouros, poder ou fama, mas movidas pela genuína vontade de conhecer outras pessoas, outras cosmovisões, outros jeitos de ser e de viver, como Homero, Heródoto, Marco Polo, Rustichello, Cabeza de Vaca, Camões, Pero Vaz de Caminha, Hans Staden, Aspicuelta, Manoel da Nóbrega, Anchieta, Matsuo Bashô, Jonathan Swift, Goethe, Robert Stenvenson, Herman Melvillo, o Dr. Livingstone, Amundesem, Shackleton, Edmund Hilary, Darwin,Tocqueville, Spix & Martius, Maria Grahan, Saint Hilaire, Rugendas, Burton, Debret, Che Guevara, o Marechal Rondon, os Irmãos Villas Boas, Darcy Ribeiro, meu primo Joaquim Pé de Cachorro, Percy Fawcett, além de outros que não me vêm à memória.
A maioria dessas pessoas não se limitou a nos legar seus relatos sem se afastar do conforto de suas casas. Muitas abandonaram tudo e foram bater pernas pelo mundo, sofrendo o pão que o diabo amassou, sem contar um bom bocado que pagou a curiosidade com a vida, própria ou alheia.
Curioso, mas preguiçoso ou medroso, ainda não quis me meter em algo semelhante, apesar de algumas aventuras pelo Mato Virgem de Sucuriú, em que acompanhei o Rei Tiago, ou, sempre ao lado de Meire, pela Floresta Amazônica e o Deserto do Saara, além das mais de mil de cidades que conheci, muitas delas movido tão somente pela cobiça de angariar ou mendigar votos, o que, sem dúvida, desqualifica algum pretenso colorido  de aventura que eu queira pintar a respeito de mim.
É bem verdade que anos atrás empreendi uma egotrip, ao mergulhar fundo em minha pirada cabeça e de lá extrair um monte de baboseiras, a que dei o pomposo, mas falso, nome de dicionário. Mas isso eu fiz confortavelmente instalado numa mansão do Lago Sul de Brasília, tomando meu scoth e ao lado de minha amada Meire, o que também afasta qualquer veleidade minha em considerar tal viagem uma aventura.
Meio velho e já trôpego resolvi nos três últimos meses me aventurar pelo mundo. Não pelo mundo real, cheio de belezas, mas ancho de muitas armadilhas, perigos enfim, mas zanzar por este que você entra através de uma jangada chamada computador, cujo único e remoto risco é o de você levar um choque elétrico, estragar as vistas, avariar a coluna cervical, ter uma trombose ou contrair LER, a não ser, nesta última hipótese, que você seja lerdo no teclar.
Navegação, como a que fiz, vale a pena nos quesitos conforto, rapidez e segurança, pois os aborígenes que transitam no mundo virtual, embora mortos de vontade de fazê-lo, não têm como furar seu olho, como aconteceu com Camões, ou mesmo tentar te comer, como fizeram com o fedorento e porco Hans Staden, poupado pelos índios de ir pra panela justamente por conta da imundície de seu corpo.
Ler e escrever são os remos da canoa virtual. E por conta de tais requisitos os analfabetos são excluídos da arte de marear virtualmente. Além do mais, navegam mais eficientemente os que dominam as manhas da escrita e da leitura. Mas excetuando os que não conseguem fazer o “o” mesmo que de bunda pelada sentada na areia, todos se aventuram pelos mares da internet. É claro que espancam sem pena nem dó o nosso idioma, mas mesmo assim não deixam de navegar, pra tristeza de Camões e Antônio Vieira, que a maioria mal sabe quem é. Poucos não são os que, por preguiça ou por dificuldade de se expressar, se valem de frases alheias, colhidas na própria rede, imagens ou qualquer outra coisa que queiram comunicar, mas não conseguem pela via da junção letra a letra.
Como a maioria não segue a norma culta da língua, errados são os que escrevem certo; ou, no mínimo, pernósticos! Por isso, se você não quiser pagar o mico de ser visto assim é bom desaprender tudo que os chatos dos professores de português te ensinaram e aprender logo o internetês.  
O mundo virtual, exceto quanto à estética ortográfica, é belo, ao contrário do real, em que as pessoas peidam e têm espinhas, mau hálito, cecê, rugas e outros defeitinhos mais. No mundo virtual raramente se vê imagens de alguém trabalhando ou fazendo coisas sujas como cagar ou mijar, pois todos estão em baladas, churrascos, praias, cachoeiras, sempre ao lado de beldades que nem eles. Filhos e netos dos navegantes são sempre mais bonitos e inteligentes que os demais. Namoradas e namorados, exceto quando em vias de ruptura da relação, são as mais fantásticas e lindas criaturas do mundo. Pais sempre honrados, bondosos e honestos, mesmo que às voltas com a Maria da Penha ou gozando o benefício penal do Saídão do Natal!
No mundo virtual é proibido tratar de coisas imprestáveis como política, filosofia, literatura e afins. Nele não há lugar para essas babaquices, pois todos creem piamente em Deus, no Time de Futebol de Seu Peito, nas Novelas e nas suas próprias Ideias e Convicções.
Nele não existe sequer a possibilidade de você descurtir ou não curtir algo, pois abaixo de cada postagem você só pode “curtir”, na acepção de gostar ou achar legal. Mas isso é bom para a autoestima dos navegantes, por sinal sempre na estratosfera!
O mundão de meu Deus da Internet tem lá as suas subdivisões. Você chega a elas por janelas que surgem na tela do computador:
Se você quer buscar uma informação qualquer, basta clicar no chamado buscador uma palavra associada a ela. Se você digita, por exemplo, a palavra “manga”, em instantes aparece na tela a fruta, a parte da roupa, a chuva, a demora e até um antigo goleiro de futebol. Numa janelinha ao lado da consulta, surge feito milagre um montão de merchandaises relacionados, sobretudo de empresas do trade de frutas e de roupas. Se você buscar algo sobre Machado de Assis ou Castro Alves, além de seus escritos, você achará anúncio de ferramentas, dados da cidade em que nasceu o meu amigo desembargador Amílcar Machado, além dele próprio, e até um trecho de um boletim de ocorrência policial escrito assim: “Polícia afirma que foi o machado do Assis que castrou o Alves!”
Em que pese o protesto dos conselhos de medicina, odontologia e afins, o Doutor Gugol é hoje o médico preferido da galera internáutica. Em certa medida e tirante o viés financeiro de suas preocupações, eles têm razão, pois corre à boca pequena que um respeitável senhor amigo nosso, aperreado por problemas de ereção, passou em seu membro flácido um remédio que supunha ser tiro e queda, ou melhor, tiro e subida. Já rígido e altaneiro feito um mastro, eis que o amigo lê na embalagem que supunha ser do Viagra: Remédio para Calo. Seca e cai em três dias!
Caso queira “conversar” com alguém em tempo real, você entra na rede por janelinhas chamadas chats ou bate-papo. Feito um grande edifício com muitos andares e salas, você escolhe a que você pretende entrar. Elas costumam ser divididas por Estados, cidades, idades, sexo, religião e por aí afora. As destinadas ao sexo são as mais povoadas. Mas também é sexo o tema mais teclado, falado, visto ou praticado nas demais, inclusive naquelas destinadas à religião. Quase todos não se apresentam com o nome verdadeiro, o sexo verdadeiro, idade, altura e peso verdadeiros. Conforme o nickname (apelido) que você escolher, sobretudo os que evidenciam ou insinuam apetitosos atributos físicos, chove sobre você, no instante de sua entrada, um montão de pretendentes. Experimentei entrar num deles como “Perigosa=Periguete+Idosa65”. Foi em Deus nos acuda, tantos foram os pretendentes, inclusive alguns que pareciam garotões! Alguns chats permitem troca de imagens, conversa e videoconferência. O bom dessa sem-vergonhice virtual é que ela não gera gonorreias, AIDS e mais meninos, num mundo real lotado até a tampa de gente, apesar dos prejuízos sofridos pelos fabricantes de camisinhas, fraldas, brinquedos, bem assim a pediatria e a medicina em geral! De um lado, isso é bom, mas de outro, sem mais meninos, o mundo fica cada vez mais insosso e sem graça!  
Mas, se você não gosta de se misturar ao povão virtual, uma infinidade de janelas descortinam-se à sua frente e, ao adentrá-las, você pode formar ou fazer parte de panelinhas virtuais. São as chamadas redes sociais. Muitos ficaram tão viciados nelas, que não mais conseguem viver no mundo real. Elas fazem sucesso até o dia em que os pobres e os feios as descobrem. Nesse dia, os que se acham ricos e bonitos se mandam dela e aderem a outra rede. Numa delas, o Facebook, encontrei muitas pessoas amigas, algumas que há três décadas nem notícia eu tinha. Achei ótimo, muito embora a minha preferência seja me relacionar com as pessoas à moda antiga, qual seja pessoalmente.
Para os que buscam paquera, namoro, relacionamento sério ou casamento, há um montão de janelinhas capazes de aproximar homens de mulheres, homens de homens, mulheres de mulheres, numa lista de denominações acasalísticas que cada dia mais cresce, desde hetero, passando por bi, travestis, cedezinhas e por aí afora. Mas lembre-se de que alguns relacionamentos virtuais costumam descambar para o real, gerando, além de filhos, não raro decepções, pois a criatura em carne e osso nem sempre corresponde àquela retocada em photoshop ou em falsos perfis. Às vezes tais sites se prestam à prática de crimes, dentre eles estupros, sequestros, furtos, roubos e assassinatos.
Antes do advento de tais comodidades, era comum em pontos específicos das cidades a aglomeração de prostitutas e prostitutos, fazendo o chamado trottoir. Hoje, a atração de usuários de suas partes pudendas migrou para a internet e para o celular, além é claro dos anúncios em jornal. Assim, às vezes você se encontra numa Sala de religião, falando do dia em que Jesus chegou a Nazaré, e uma madalena da net atravessa o seu caminho, toda provocante e insinuante. Muitas, às vezes se dizendo universitárias, fazem os indefectíveis pedidos de ajuda, uma forma dissimulada de exigirem a paga por esta que é uma das mais antigas ocupações da humanidade.
As ruas virtuais são também transitadas, além de vendedores, proxenetas, rufiões e os indefectíveis batedores de carteira, por messias, pregadores, pastores e padres, garantindo um lugar no Céu por módicos 1.999,00! No Face, as mensagens vão chegando a cada instante, quadro a quadro, texto a texto. De repente, uma é de uma jovem mãe apontando uma arma rumo à cabeça de um bebê escanchado em sua cintura. A seguinte, um cara bem mamado metido numa camisa de futebol. Aí aparece outra com a linda estampa de Cristo, para, em seguida, surgir um santinho de candidato ou umas periguetes dançando kuduro ou outro ballet qualquer! E essa toada não cessa nunca! À proporção que vão chegando, algumas são carimbadas pelo ícone “curtir”, mas a maioria é simplesmente ignorada. É que todos são celebridades, são geniais, originais, importantes, e não pega bem ficar elogiando as postagens alheias, a não ser que elas falem bem do elogiador de plantão.
Acho o máximo que tudo seja assim. Afinal, ninguém é pior do que ninguém no item chamado comunicação. E comunicação não é monopólio de quem escreve ou acha que escreve bem. A escrita é uma das muitas modalidades de se expressar. A linguagem corporal, por exemplo, é infinitamente mais eficiente do que a verbal, e esta ganha de lavada da linguagem escrita. Pena que as ferramentas virtuais, mesmo aquelas que permitem o intercâmbio de imagens, não consigam captar a beleza de, ao vivo, você conversar com alguém e sentir o bafo da respiração, os cheiros, o franzir de cenhos, o sorrir ou o chorar, os braços se agitando ou se encolhendo, o toque de mão em seu ombro e até mesmo a crispação de um olhar reprovador.
Que me perdoem os que se dão por satisfeitos com a interação virtual. Acho que ela não está com nada, pois nada substitui um papo real ou mesmo uma trepada real!

Um comentário:

  1. Carlos,
    seus textos elevam nossa alma, alimemtam nosso espirito e nos faz acreditar que existe uma Inteligencia acima da nossa medíocre e terrena vida.
    Te amo!

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