quinta-feira, 30 de agosto de 2012

Homens bonitos, loiras, baixinhos e varapaus


Sobre homens bonitos, loiras, baixinhos e varapaus

Tese de Carlos Mota Coelho

Na maioria das vezes, o senso comum falha em suas constatações acerca de determinado fenômeno, gerando mitos, crendices, seitas, facções, religiões enfim. Noutras, a ciência acaba por confirmar aquilo que por milhares de anos – e em populações, as mais diversas – é tido como verdade absoluta e inconteste.

Um desses mitos, por exemplo, é o de que toda loira é burra. Não obstante o número de exemplares, falsos ou verdadeiros, o universo blond apresenta estatisticamente o mesmo número de beócias verificado entre as morenas. O que, em verdade, pode ser inferido é o natural espalhafato do amarelo, quando comparado aos tons da cor preta. Ademais, não é nada científico atribuir-se, por exemplo, burrice genética a um cabelo cuja cor se alterou temporariamente, graças a uma aplicação de corantes artificiais ou descolorizantes do tipo parafina.

É de ressaltar, ainda, a falta de rigor epistemológico na negativa desse atributo aos machos portadores de pêlos loiros. Exceção a esse axioma é, com certeza, a subespécie dos surfistas, pois não há burrice maior do que insistir em passar a vida tentando se equilibrar sobre ondas, o que desmoraliza por completo o cérebro humano. Ipso facto, pode-se afirmar, sem receio de qualquer tipo de censura, que todo surfista, louro ou de qualquer outro matiz, é burro, exceto os do Lago Paranoá, como é o caso de meu genro, exímio compositor e cantor!

Mas, saindo dos exemplos, e partindo para o escopo da tese aqui desenvolvida, o mundo científico terá finalmente a oportunidade de submeter a teste a relação entre o Sistema Digestivo Humano e a Aparência Humana – num espectro que vai da feiura, por exemplo, deste cientista que vos fala, à beleza de um Tom Cruise.

Se não me engano, Diógenes foi o primeiro a vislumbrar uma relação necessária entre os belíssimos varões gregos e a incontinência flatular, tanto que, belo como era, não era capaz de controlar seu esfíncter nem diante do mestre Platão. Aliás, Alexandre, o Grande, obteve memoráveis vitórias bélicas graças ao efeito destruidor que os peidos de seus joviais soldados provocavam nas hostes inimigas. Felipe, o Belo, acabou por legar a França a excelência na produção de perfumes, sem os quais a sua corte não teria sobrevivido em meio à fedentina que a cercava.

Certo é que, desde os tempos imemoriais, certificar se o macho humano é indubitavelmente belo passa necessariamente pela análise da intensidade odorífera e sonora produzida pelo seu sistema digestivo. Hipocrates dissecou centenas de cadáveres, mas não conseguiu desvendar a razão de os homens bonitos peidarem com mais frequência do que os nada agraciados pela natureza. Recentemente, restou provado que oitenta por cento da serotonina é produzida pelo intestino. E como é a serotonina que nos assegura o bom humor, vinda que é da catinga do intestino, pode-se afirmar que bom cheiro e mal humor nunca andam juntos.

Não se pode, todavia, dizer que vãs foram as tentativas perpetradas pelo Pai da Medicina, se levarmos em consideração que sem elas talvez o mundo estivesse até hoje buscando uma explicação para o mau-hálito inerente a todo e qualquer baixinho. Foi medindo a extensão tubular entre as cavidades anal e bucal que Hipócrates concluiu que o mau-hálito entre os tampinhas decorre da proximidade entre elas.

De igual modo, tais experimentos tiveram o condão de legar à humanidade a mais irretorquível conclusão sobre a altíssima mortalidade entre as pessoas de estatura elevada. Basta uma visita a um asilo, por exemplo, para concluir que a expectativa de vida é inversamente proporcional ao tamanho do sujeito. Exemplos de sobra o Brasil pôde legar à humanidade através de gigantes tampinhas como Oscar Niemayer, Dona Canô, Derci Gonçalves e, no próprio futebol, o baixinho Romário.

Hipocrates, também Pai da Hipocrisia, atribuiu a elevada mortalidade dos varapaus à questão da circulação sanguínea e, para tanto, tomou por paradigma automóveis construídos pela Ford nos anos 1970/80. Três modelos eram movidos por um mesmo motor de 1800cc. Ocorre que o primeiro, o Corcel, era pequeno e leve, o segundo, a Belina, médio, e o terceiro, o Versalhes, grande e pesadão. Ao observá-los, Hipocrates percebia que o último sempre morria. Passados cerca de trinta anos, ainda observamos Corcéis ainda circulando pelas ruas e estradas, enquanto Belinas e Versalhes jazem nas sucatas.

O mesmo ocorre entre os humanos. Independentemente de sua estatura, todos são motorizados pelo mesmo tipo de coração. É óbvio que o coração do gigante se esforça mais, perdendo precocemente o prazo de validade, enquanto o do tampinha, por exemplo, dura para sempre, tanto que são comuns enquetes do tipo “você já foi num enterro de anão?”. Por outro lado, isso explica o mau humor típico dos baixinhos, em contraste ao caráter folgazão dos homenzarrões. Aliás, há uma vertente de linguistas que considera a expressão “baixinho invocado” um pleonasmo, apesar de sua entidade de classe intitular-se FBI – Federação dos Baixinhos Invocados.

Mas voltemos ao fulcro do tema aqui desenvolvido. Hipocrates, conforme dito, não logrou êxito em sua tentativa de correlacionar beleza X peido. No campo das teorias compensatórias, majoritária é a corrente que afirma existir um componente importante em tal fenômeno, que é a perpetuação da espécie. Por ela, se os homens belos não fossem dotados do dispositivo peidante jamais sobrariam fêmeas para os feiosos. Ortega e Gasset insinuam, em sua monumental obra conjuntamente escrita a dois, que os homens belos são naturalmente alérgicos ao trabalho. Afinal, a engenharia cósmica os concebeu muito mais para a reprodução, do que para a produção de alimentos, por exemplo. Daí, sem o artifício flatulante genético, a humanidade se sucumbiria pela fome. De igual modo, o conhecimento estaria estagnado na Idade da Pedra, privado de espécimes como Newton, Voltaire, Einstein e tantos outros feiosos que enfeitam a galeria dos gênios da humanidade.

Como cientista, movido pela vontade férrea de legar à humanidade os meus geniais conhecimentos, não posso fugir de uma ilação que esta tese pede. O número de fios de cabelo espetados nas cabeças humanas, que no caso da minha são cada vez mais raros! Experimente andar pelas estradas do mundo e tente encontrar um andarilho ou mendigo careca. Com certeza você não achará um, pois todos os andarilhos possuem jubas imensas, o que também acontece com os beatos e os santos, exceto, se não me engano, São Ivo, patrono dos Advogados, o que explica a exceção. Mas vá a uma reunião de banqueiros ou de homens endinheirados. Nela você verá uma profusão de luzidias carecas, razão porque é dos carecas que elas gostam mais! Isso também explica uma tendência inata, muito verificada entre jogadores de futebol: assim que ficam ricos, eles simplesmente raspam suas cabeças!

Todas essas conclusões, no entanto, ainda carecem de comprovação cientifica. Por outro lado, é essencial descobrir o lócus cerebral em que se situa o campo que responde por essa função orgânica, exclusiva dos belos. Pelo adiantado em que se acha o esforço planetário para desvendar o DNA, é possível que brevemente saibamos qual a sequencia que dita tal herança genética. Vislumbra-se até a possibilidade de intervenções cirúrgicas capazes de reverter situações limites, como as que acometem homens belíssimos de uma constante insatisfação, melancolia, tristeza, falta de autoestima, causadoras de traumas psicológicos, não raro geradores de suicídios e uso abusivo de entorpecentes, ditadas pela SAT – Síndrome Amorphophallus Titanum, nome tomado de um tipo de flor que, embora belíssima, tem um odor tão fétido, a ponto de ser chamada popularmente de flor-cadáver. Aliás, dezenas de cientistas se revezam, de tempos em tempos, no Quail Botanical Garden (ela só floresce de sete em sete anos), justamente com o propósito de identificar se o mecanismo genético que a faz linda e, ao mesmo tempo, malcheirosa é o mesmo que faz homens lindos e peidorreiros.

Tal preocupação em arrefecer ou mitigar a síndrome aumenta na medida em que práticas ligadas à eugenia, melhor alimentação, ociosidade, cirurgias plásticas e a própria cosmética vêm concorrendo proativamente para o acentuado aumento do número de homens bonitos, mas, via de consequência, de internações em hospícios, divãs e cemitérios.

Outra razão maior para um melhor enfrentamento do problema criado pela SAT é o número de belos machos que abrem mão voluntariamente dessa condição, ingressando no gênero feminino (o transexualismo). Deontologicamente, não deve a ciência obstaculizar a vontade de migrar para outro gênero. Porém, no caso dos portadores de SAT, a questão não é de cunho volitivo, pois no íntimo eles querem permanecer machos. Porém, a beleza de que são portadores acaba por facilitar tal migração de gênero (É sabido que quanto mais bonito é o sujeito, menos complicadas e, por conseguinte, menos onerosas são as cirurgias transexuais). A esse facilitador alia-se a dificuldade de manter parceiras, em razão da repulsa provocada pela incontinência flatular. Como os homens comuns – feios, sobretudo – não possuem olfato delicado e nem se podem dar ao luxo de dispensar companhia, os ex-homens bonitos, uma vez transmutados em fêmeas, passam a não enfrentar mais o drama da solidão, ainda que continuem flatulentos.

Uma corrente científica rechaça o caráter inibidor da atração de fêmeas, decorrente da SAT. Sustentam que, para a maioria taxionômica das fêmeas, a beleza do macho do tipo SAT suplanta a ojeriza resultante do mau-cheiro. Mais recentemente suas lucubrações vêm caindo por terra e os argumentos de que valem seus detratores, inclusive Carlos Mota, vêm sendo extraídos da observação das Paradas Gay, ocorridas em grandes cidades do Planeta. De fato, as megalópoles, palco de tais paradas são as mais poluídas e malcheirosas. Segundo eles, isso estimula a vontade de mudar de sexo. Só em São Paulo, tomando como parâmetro a última parada, metade de sua população trocou de sexo. Estatisticamente, para sossego dos que temiam consequências graves, o número de homens e o número de mulheres não se alteraram em absoluto, pois os 50% que eram homens se transformaram em mulher e os 50% que eram mulheres viraram homem.

O problema, conforme se vê, é mais sério do que se pensa. Mas a ciência e a tecnologia não se descuraram dele, tanto que na divisa da França com a Suíça foi construída uma passarela de 27 quilômetros de extensão – uma espécie de sambódromo circular – cem metros abaixo da superfície. Neste imenso túnel, denominado Grande Colisor de Hádrons (Large Hadron Collider), serão realizados importantes experimentos visando conhecer a idade do Universo.
Enganam-se, porém, os que pensam que o LHC foi feito apenas para isso. Iniciado no conservadorismo de Margareth Thatcher e Ronald Reagan, o projeto de tal passarela subterrânea – justo com o sentido de garantir a privacidade das pessoas que nela vão desfilar, conforme demonstrarei adiante – jamais receberia verbas governamentais. Temendo isso, seus idealizadores escamotearam a sua finalidade verdadeira.

Ora, para o tipo de experimento que eles alegam ter sido construído – chocar prótons contra os outros e fazer medições – jamais seria necessário um túnel, muito menos um túnel tão oneroso. Um túnel circular, nem pensar, pois a melhor trajetória de um projétil ou de um feixe de raios é a linha reta! Bastaria, neste caso, construir tal acelerador num deserto, ou no fundo do mar, com tubos bem reforçados e dispostos em linha reta.

Uma estrutura circular e feita dentro do chão só se justifica para outras espécies de experimentos científicos, nas quais, onze em cada dez cientistas, incluem a síndrome aqui tratada.

Que se preparem os céticos. Fracassada a tentativa de datar o Universo, com certeza uma Grande Parada de Gays, Lésbicas, Transexuais, Travestis e Simpatizantes será realizada no Grande Túnel, encobrindo os seus participantes, principalmente os que não querem sair do armário, e descortinando para os cientistas respostas corretas às apreensões que tanto os perseguem, entre elas a que leva os homens bonitos à incontinência flatular.

No mais, haja falta do que fazer!

quarta-feira, 29 de agosto de 2012

Ordis são ordis! Also sprach Mussum Carlos Mota Coelho Seu Olinto (Dorneles Faria), da velha cepa dos fiscais de contribuições previdenciárias, daqueles que consideravam sagrados os dinheiros públicos, era Secretario de Administração do INPS em Minas Gerais e eu o seu subordinado, numa chefia da Coordenação de Pessoal, sob a batuta do competente Seu Onias Prado. Sua preocupação constante era com o desperdício de material de consumo, de clipe às toneladas de café consumidas ao longo do ano. Certa feita, ele cismou de por fim às cópias de chaves, tanto as perdidas ou esquecidas, como as decorrentes das constantes trocas de chefias, numa Superintendência que possuía algo em torno de sete mil servidores e quase a mesma quantidade de portas e gavetas. Para tanto, uma licitação foi feita, e a Coordenação de Serviços Gerais, com direito a inauguração, passou a contar com uma máquina de copiar chaves, para orgulho de seu chefe, José Lopes de Lima. Mas e o funcionário para operá-la? Como chefe de RH, coube a mim a elevada e honrosa incumbência de selecioná-lo, obviamente sem descumprir a lei, na parte em que ela proíbe o desvio de função. Fui ao regimento, li o rol de atribuições de uma ruma de categorias funcionais e achei uma que, ao meu arguto parecer, caia feito luva para se desincumbir daquela ingente atribuição de copiar as malsinadas chaves: Artífice de Mecânica! Consultando os fichários, achei três barnabés, ocupantes daquele cargo tão estranho a um órgão cujo único artifício finalístico era conceder e manter benefícios previdenciários. Submetidos a um treinamento de como operar aquela traquitana, apenas um demonstrou possuir alguma habilidade, o paraibano Genival, que por aquele tempo atuava como estafeta. Nenhum deles, nem mesmo Genival, ficou satisfeito com a nova missão e as chaves, em sua maioria e aparentemente de propósito, não cumpriam o seu ontológico papel de abrir e fechar portas. Não havia dia em que servidores não conseguiam entrar em seus locais de trabalho, outros não conseguiam sair, sem contar as desculpas esfarrapas que muitos davam, culpando gavetas trancadas pela demora no atendimento dos pedidos em geral. Toda essa confusão seguia relativamente tolerável até o dia em que o próprio Seu Olinto e suas secretárias não puderam entrar no amplo e confortável Gabinete da Secretaria de Administração. Eles rodavam a chave feita por Genival, rodavam e nada de o miolo da fechadura abalar. Possesso, Seu Olinto mandou chamar Genival e ordenou: - Você tem cinco segundos pra abrir esta porta, de qualquer jeito, ou terei que o demitir! O corredor apinhando de curiosos e Genival ponderou que cinco segundos era muito pouco tempo. Olinto replicou, elevando à última potência o tom de sua voz, foi quando Genival, forte feito um touro, tomou distância, disparou e deu uma peitada tão violenta na porta do gabinete, que ele, a própria porta, soleiras, portal e pedaços de tijolos e reboco desmoronaram sobre poltronas, birôs, escrivaninhas, máquina de escrever, cabide, arquivos e tudo o mais que ornava aquele suntuoso gabinete. Mais puto ficou Olinto, sobretudo com o estrago feito no carpete que havia sido recentemente trocado, e eu fui incumbido de proceder à sindicância, sem a qual não se podia punir o indigitado Genival. Chamei as testemunhas e todas foram unânimes em afirmar que a ordem de Olinto para Genival era “abrir a porta de qualquer jeito”. Aí não teve jeito, e tive que eximir o Artífice Genival de qualquer laivo de culpa, arcando a Viúva com mais aquele prejuízo. Genival nada mais fez que cumprir a ordem do chefe. Afinal, alegou ele em seu depoimento: Ordis são ordis, assim dizia Mussum! E Seu Olinto,conhecedor e cumpridor das leis e, ainda por cima, dono de um coração que não cabia em seu peito, se conformou e dava suas sonoras gargalhadas ao se lembrar dessa história. Com certeza, lá do Alto ele está morrendo de rir de mim!

segunda-feira, 27 de agosto de 2012

Eu prometo

Nas minhas mal tecladas linhas, pela manhã postadas, externei a presumidos dois leitores meus a minha intenção, já posta em prática, de não atravancar o Face com os meus longos textos. É que, ao contrário de muitos, gosto da forma com que as mensagens nele fluem, e gosto mais ainda de seu caráter democrático, onde todos têm a oportunidade de externar pensamentos seus e alheios. Para ruminações e lucubrações como as que eu tenho por hábito fazer, outros espaços existem. Guardo quilômetros e mais quilômetros de textos por mim escritos, inclusive um inédito romance com o provisório título de Minas Novni, cuja trama gira em torno da chegada de um disco voador justo no momento em que a população da cidade estava em peso na Pedra do Rosário, buscando a santa. Além dele, escrevi, mas não quis publicar um livro de autoajuda com o título de “Como ficar com a mulher do chefe, e com seu consentimento”, uma coletânea de cerca de cento e vinte minicontos bem apimentados, pra não dizer eróticos. Outro também escrito, intitulado “Como sobreviver em Brasília sem passar em concurso”, é um verdadeiro manual de como se pode viver na corte, sem dinheiro, mas participando dos diários regabofes que acontecem aqui, como posses, congressos, datas nacionais nas quase duzentas embaixadas e por aí afora. Outro inédito, escrito por mim, postei inopinadamente em meu Marmotas e Lorotas, com o título de “A Mala”. Também comecei, mas ainda não concluí um romance histórico, tendo por personagem central uma alemã, presumidamente nazista, que viveu e se suicidou em Minas Novas em meados do século passado. Também em vias de conclusão, um livro de nome “Pensão Mineira”, cuja trama resumi em toscos versinhos de cordel publicados em meu blog. Escrevi vários verbetes em caso de uma segunda edição do meu “Dicionário de Fanadês”, inclusive com causos inéditos. No mais, uma miscelânea de outros textos jaz em gavetas e arquivos de computadores, aqui no rancho, bem assim na Anpprev, inclusive centenas de cópias de documentos que falam sobre Minas Novas, desde a sua fundação em 1727.
Bem, um dos meus dois – ou melhor duas – leitoras, minha amiga Majaci Mello, secundada pela cunhada Sirley, terceirada pela prima Flávia Mota e quarteirada por minha própria esposa Meire, sugeriu que eu publicasse no Face o título dos textos postados em meu blog. É o que pretendo fazer de agora em diante. 

Noventa dias no Face


Noventa dias na Internet


Admiro e morro de inveja de pessoas que se aventuraram pelo mundo, não necessariamente em busca de tesouros, poder ou fama, mas movidas pela genuína vontade de conhecer outras pessoas, outras cosmovisões, outros jeitos de ser e de viver, como Homero, Heródoto, Marco Polo, Rustichello, Cabeza de Vaca, Camões, Pero Vaz de Caminha, Hans Staden, Aspicuelta, Manoel da Nóbrega, Anchieta, Matsuo Bashô, Jonathan Swift, Goethe, Robert Stenvenson, Herman Melvillo, o Dr. Livingstone, Amundesem, Shackleton, Edmund Hilary, Darwin,Tocqueville, Spix & Martius, Maria Grahan, Saint Hilaire, Rugendas, Burton, Debret, Che Guevara, o Marechal Rondon, os Irmãos Villas Boas, Darcy Ribeiro, meu primo Joaquim Pé de Cachorro, Percy Fawcett, além de outros que não me vêm à memória.
A maioria dessas pessoas não se limitou a nos legar seus relatos sem se afastar do conforto de suas casas. Muitas abandonaram tudo e foram bater pernas pelo mundo, sofrendo o pão que o diabo amassou, sem contar um bom bocado que pagou a curiosidade com a vida, própria ou alheia.
Curioso, mas preguiçoso ou medroso, ainda não quis me meter em algo semelhante, apesar de algumas aventuras pelo Mato Virgem de Sucuriú, em que acompanhei o Rei Tiago, ou, sempre ao lado de Meire, pela Floresta Amazônica e o Deserto do Saara, além das mais de mil de cidades que conheci, muitas delas movido tão somente pela cobiça de angariar ou mendigar votos, o que, sem dúvida, desqualifica algum pretenso colorido  de aventura que eu queira pintar a respeito de mim.
É bem verdade que anos atrás empreendi uma egotrip, ao mergulhar fundo em minha pirada cabeça e de lá extrair um monte de baboseiras, a que dei o pomposo, mas falso, nome de dicionário. Mas isso eu fiz confortavelmente instalado numa mansão do Lago Sul de Brasília, tomando meu scoth e ao lado de minha amada Meire, o que também afasta qualquer veleidade minha em considerar tal viagem uma aventura.
Meio velho e já trôpego resolvi nos três últimos meses me aventurar pelo mundo. Não pelo mundo real, cheio de belezas, mas ancho de muitas armadilhas, perigos enfim, mas zanzar por este que você entra através de uma jangada chamada computador, cujo único e remoto risco é o de você levar um choque elétrico, estragar as vistas, avariar a coluna cervical, ter uma trombose ou contrair LER, a não ser, nesta última hipótese, que você seja lerdo no teclar.
Navegação, como a que fiz, vale a pena nos quesitos conforto, rapidez e segurança, pois os aborígenes que transitam no mundo virtual, embora mortos de vontade de fazê-lo, não têm como furar seu olho, como aconteceu com Camões, ou mesmo tentar te comer, como fizeram com o fedorento e porco Hans Staden, poupado pelos índios de ir pra panela justamente por conta da imundície de seu corpo.
Ler e escrever são os remos da canoa virtual. E por conta de tais requisitos os analfabetos são excluídos da arte de marear virtualmente. Além do mais, navegam mais eficientemente os que dominam as manhas da escrita e da leitura. Mas excetuando os que não conseguem fazer o “o” mesmo que de bunda pelada sentada na areia, todos se aventuram pelos mares da internet. É claro que espancam sem pena nem dó o nosso idioma, mas mesmo assim não deixam de navegar, pra tristeza de Camões e Antônio Vieira, que a maioria mal sabe quem é. Poucos não são os que, por preguiça ou por dificuldade de se expressar, se valem de frases alheias, colhidas na própria rede, imagens ou qualquer outra coisa que queiram comunicar, mas não conseguem pela via da junção letra a letra.
Como a maioria não segue a norma culta da língua, errados são os que escrevem certo; ou, no mínimo, pernósticos! Por isso, se você não quiser pagar o mico de ser visto assim é bom desaprender tudo que os chatos dos professores de português te ensinaram e aprender logo o internetês.  
O mundo virtual, exceto quanto à estética ortográfica, é belo, ao contrário do real, em que as pessoas peidam e têm espinhas, mau hálito, cecê, rugas e outros defeitinhos mais. No mundo virtual raramente se vê imagens de alguém trabalhando ou fazendo coisas sujas como cagar ou mijar, pois todos estão em baladas, churrascos, praias, cachoeiras, sempre ao lado de beldades que nem eles. Filhos e netos dos navegantes são sempre mais bonitos e inteligentes que os demais. Namoradas e namorados, exceto quando em vias de ruptura da relação, são as mais fantásticas e lindas criaturas do mundo. Pais sempre honrados, bondosos e honestos, mesmo que às voltas com a Maria da Penha ou gozando o benefício penal do Saídão do Natal!
No mundo virtual é proibido tratar de coisas imprestáveis como política, filosofia, literatura e afins. Nele não há lugar para essas babaquices, pois todos creem piamente em Deus, no Time de Futebol de Seu Peito, nas Novelas e nas suas próprias Ideias e Convicções.
Nele não existe sequer a possibilidade de você descurtir ou não curtir algo, pois abaixo de cada postagem você só pode “curtir”, na acepção de gostar ou achar legal. Mas isso é bom para a autoestima dos navegantes, por sinal sempre na estratosfera!
O mundão de meu Deus da Internet tem lá as suas subdivisões. Você chega a elas por janelas que surgem na tela do computador:
Se você quer buscar uma informação qualquer, basta clicar no chamado buscador uma palavra associada a ela. Se você digita, por exemplo, a palavra “manga”, em instantes aparece na tela a fruta, a parte da roupa, a chuva, a demora e até um antigo goleiro de futebol. Numa janelinha ao lado da consulta, surge feito milagre um montão de merchandaises relacionados, sobretudo de empresas do trade de frutas e de roupas. Se você buscar algo sobre Machado de Assis ou Castro Alves, além de seus escritos, você achará anúncio de ferramentas, dados da cidade em que nasceu o meu amigo desembargador Amílcar Machado, além dele próprio, e até um trecho de um boletim de ocorrência policial escrito assim: “Polícia afirma que foi o machado do Assis que castrou o Alves!”
Em que pese o protesto dos conselhos de medicina, odontologia e afins, o Doutor Gugol é hoje o médico preferido da galera internáutica. Em certa medida e tirante o viés financeiro de suas preocupações, eles têm razão, pois corre à boca pequena que um respeitável senhor amigo nosso, aperreado por problemas de ereção, passou em seu membro flácido um remédio que supunha ser tiro e queda, ou melhor, tiro e subida. Já rígido e altaneiro feito um mastro, eis que o amigo lê na embalagem que supunha ser do Viagra: Remédio para Calo. Seca e cai em três dias!
Caso queira “conversar” com alguém em tempo real, você entra na rede por janelinhas chamadas chats ou bate-papo. Feito um grande edifício com muitos andares e salas, você escolhe a que você pretende entrar. Elas costumam ser divididas por Estados, cidades, idades, sexo, religião e por aí afora. As destinadas ao sexo são as mais povoadas. Mas também é sexo o tema mais teclado, falado, visto ou praticado nas demais, inclusive naquelas destinadas à religião. Quase todos não se apresentam com o nome verdadeiro, o sexo verdadeiro, idade, altura e peso verdadeiros. Conforme o nickname (apelido) que você escolher, sobretudo os que evidenciam ou insinuam apetitosos atributos físicos, chove sobre você, no instante de sua entrada, um montão de pretendentes. Experimentei entrar num deles como “Perigosa=Periguete+Idosa65”. Foi em Deus nos acuda, tantos foram os pretendentes, inclusive alguns que pareciam garotões! Alguns chats permitem troca de imagens, conversa e videoconferência. O bom dessa sem-vergonhice virtual é que ela não gera gonorreias, AIDS e mais meninos, num mundo real lotado até a tampa de gente, apesar dos prejuízos sofridos pelos fabricantes de camisinhas, fraldas, brinquedos, bem assim a pediatria e a medicina em geral! De um lado, isso é bom, mas de outro, sem mais meninos, o mundo fica cada vez mais insosso e sem graça!  
Mas, se você não gosta de se misturar ao povão virtual, uma infinidade de janelas descortinam-se à sua frente e, ao adentrá-las, você pode formar ou fazer parte de panelinhas virtuais. São as chamadas redes sociais. Muitos ficaram tão viciados nelas, que não mais conseguem viver no mundo real. Elas fazem sucesso até o dia em que os pobres e os feios as descobrem. Nesse dia, os que se acham ricos e bonitos se mandam dela e aderem a outra rede. Numa delas, o Facebook, encontrei muitas pessoas amigas, algumas que há três décadas nem notícia eu tinha. Achei ótimo, muito embora a minha preferência seja me relacionar com as pessoas à moda antiga, qual seja pessoalmente.
Para os que buscam paquera, namoro, relacionamento sério ou casamento, há um montão de janelinhas capazes de aproximar homens de mulheres, homens de homens, mulheres de mulheres, numa lista de denominações acasalísticas que cada dia mais cresce, desde hetero, passando por bi, travestis, cedezinhas e por aí afora. Mas lembre-se de que alguns relacionamentos virtuais costumam descambar para o real, gerando, além de filhos, não raro decepções, pois a criatura em carne e osso nem sempre corresponde àquela retocada em photoshop ou em falsos perfis. Às vezes tais sites se prestam à prática de crimes, dentre eles estupros, sequestros, furtos, roubos e assassinatos.
Antes do advento de tais comodidades, era comum em pontos específicos das cidades a aglomeração de prostitutas e prostitutos, fazendo o chamado trottoir. Hoje, a atração de usuários de suas partes pudendas migrou para a internet e para o celular, além é claro dos anúncios em jornal. Assim, às vezes você se encontra numa Sala de religião, falando do dia em que Jesus chegou a Nazaré, e uma madalena da net atravessa o seu caminho, toda provocante e insinuante. Muitas, às vezes se dizendo universitárias, fazem os indefectíveis pedidos de ajuda, uma forma dissimulada de exigirem a paga por esta que é uma das mais antigas ocupações da humanidade.
As ruas virtuais são também transitadas, além de vendedores, proxenetas, rufiões e os indefectíveis batedores de carteira, por messias, pregadores, pastores e padres, garantindo um lugar no Céu por módicos 1.999,00! No Face, as mensagens vão chegando a cada instante, quadro a quadro, texto a texto. De repente, uma é de uma jovem mãe apontando uma arma rumo à cabeça de um bebê escanchado em sua cintura. A seguinte, um cara bem mamado metido numa camisa de futebol. Aí aparece outra com a linda estampa de Cristo, para, em seguida, surgir um santinho de candidato ou umas periguetes dançando kuduro ou outro ballet qualquer! E essa toada não cessa nunca! À proporção que vão chegando, algumas são carimbadas pelo ícone “curtir”, mas a maioria é simplesmente ignorada. É que todos são celebridades, são geniais, originais, importantes, e não pega bem ficar elogiando as postagens alheias, a não ser que elas falem bem do elogiador de plantão.
Acho o máximo que tudo seja assim. Afinal, ninguém é pior do que ninguém no item chamado comunicação. E comunicação não é monopólio de quem escreve ou acha que escreve bem. A escrita é uma das muitas modalidades de se expressar. A linguagem corporal, por exemplo, é infinitamente mais eficiente do que a verbal, e esta ganha de lavada da linguagem escrita. Pena que as ferramentas virtuais, mesmo aquelas que permitem o intercâmbio de imagens, não consigam captar a beleza de, ao vivo, você conversar com alguém e sentir o bafo da respiração, os cheiros, o franzir de cenhos, o sorrir ou o chorar, os braços se agitando ou se encolhendo, o toque de mão em seu ombro e até mesmo a crispação de um olhar reprovador.
Que me perdoem os que se dão por satisfeitos com a interação virtual. Acho que ela não está com nada, pois nada substitui um papo real ou mesmo uma trepada real!