segunda-feira, 23 de fevereiro de 2015

Conto 3
A Navalha 


Que mulher tarada, aquela, a do barbeiro! Ela simplesmente me encurralou entre a copa e a cozinha e ali tentou me seduzir impiedosamente, enquanto o seu digníssimo marido aguardava o meu retorno do banheiro. Tentando me refazer do susto, voltei naturalmente à cadeira e ele, calma e pacientemente, atou em meu pescoço as tiras da toalha, ajustou o suporte de cabeça e pincelou suavemente o meu rosto com a espuma de barbear. À meia distância, pelas costas do sujeito, a maldita mulher mandava-me beijos e mais beijos, mas assim que ele levantava as vistas, amolando aquela afiada navalha, ela, refletida no espelho, tomava uma postura de sonsa e santa. Trazia comigo um livro do Gogol e o lia justo na parte em que é cortado o nariz do assessor do juiz do colegiado eleitoral. Mas de repente, senti que o roçar de sua navalha sobre o meu pescoço era cada vez mais firme e forte. E ele balbuciava palavras como safada e sem-vergonha, enquanto a afiada Solinger cortava-me feito foice. No que ele virou para limpar o pincel, eu me mandei a tempo de escutar ele dizer: - Cadê o desgraçado? e ela responder: - Foi-se!

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